Bion 1 – Uma introdução a sua vida e ideias

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O mundo psicanalítico não tem uma opinião uniforme sobre as contribuições de Bion: muitos o veneram, outros o detestam, e uma significativa maioria se mostrou inicialmente indiferente a ele.

Seus conceitos são bastante controvertidos: alguns são lógicos e de fácil compreensão, enquanto outros instigam reflexões, embora sejam, de início, de difícil assimilação por terem base em paradoxos e linguagem incomum. Tudo isso, somado à sua personalidade peculiar, contribui para tal pluralidade de visões a seu respeito dentro da comunidade psicanalítica:  para muitos, ele é o terceiro gênio inovador da psicanálise, completando a galeria a partir de com Freud e Melanie Klein. Para outros, em um extremo oposto, ele não teria feito mais do que revestir com uma roupagem nova e esquisita os mesmos conceitos que já estavam bem definidos.

O homem Bion

Wilfried Rupercht Bion nasceu na Índia, em 1897, filho de um britânico que, na condição de engenheiro do serviço público inglês, prestava serviços para o governo indiano.

Ele viveu na Índia até a idade de 7 anos, acompanhado dos pais e da irmã e sob os cuidados de uma velha ama indiana. Esse fato exerceu uma significativa influência em sua vida e obra, pois a cultura indiana lhe ficou impressa de forma permanente e construiu uma boa parcela de sua cultura psicológica inconsciente.

Aos 19 anos, Bion espontaneamente ingressa nas forças armadas, onde se destacou dos demais companheiros devido às suas qualidades desportivas e intelectuais. No exército, ele prestou serviço no batalhão de carros blindados de combate tendo servido durante a I Guerra Mundial. Por sua atuação, foi consagrado como herói e condecorado no Palácio de Buckingham com uma das mais prestigiadas medalhas militares.

Bion chegou a alcançar a patente de capitão, porém, ao término da guerra, abandonou o exército, seguindo para a Universidade de Oxford. Estudou História Moderna, Teologia, Filosofia, obteve Licenciatura em Letras. Tinha conhecimentos de Lingüística e das línguas grega e latina. Foi um amante da literatura, sendo que seus escritos estão recheados de citações de Shakespeare, entre outros importantes autores.

Ao entrar em contato com um livro de Freud, ficou fascinado e decidiu estudar Medicina e tornar-se psicanalista. Graduou-se como médico aos 33 anos, e acabou ganhando uma medalha de ouro em Cirurgia, além de outros respeitáveis títulos honoríficos em Medicina.

Em pouco tempo, lançou-se à prática da psiquiatria, tendo se empregado na Tavistock Clinic em Londres, onde encontrou uma maior afinidade com o grupo que se interessava pela psicanálise.

Retornou ao exército em 1940, em plena vigência da II Grande Guerra, passando, então, a dedicar-se à reabilitação dos pilotos da RAF. Com o término da guerra, Bion voltou a trabalhar na Tavistock, dedicando-se ao trabalho com grupos. Essa experiência foi de grande relevância para Bion e toda a comunidade psicanalítica.  Em um próximo vídeo detalharei estas contribuições, até hoje ainda muito citadas.  

Bion era respeitado pelos colegas e, por muitos anos, ocupou importantes cargos na Sociedade Britânica de Psicanálise: foi diretor da Clínica e, em seguida, presidente dela entre 1962 e 1965. No entanto, no final da década de 60, apresentava visíveis sinais de desgaste com a maioria de seus pares, que mostravam uma certa indiferença pelo seu ousado, para a época, pensamento psicanalítico.

Para caracterizar melhor o seu jeito de ser e de expor suas ideias, vale recordar uma passagem um tanto pitoresca. Certa vez, Bion iniciou uma conferência dizendo: “estou curioso para saber o que vou dizer esta noite”. Poderia parecer uma brincadeira, mas não era; pelo contrário, ele demonstrava como construía o seu pensamento de forma livre e sem a saturação de sua mente por conceitos já estabelecidos. Assim, em mais de uma ocasião, Bion fez questão de se posicionar como um cientista descomprometido com as verdades definitivas, que postulava o seu direito de modificar os seus prévios pontos de vista e, até mesmo, o direito de cair em eventuais contradições.

Um dos principais aspectos apontados como mudança de perspectiva teórica a partir de Bion reside na importância atribuída à vida mental do analista durante a sessão. Ele acreditava que as identificações projetivas, conceito que diz respeito aos conteúdos que o paciente projeta em direção ao analista, são um fenômeno/acontecimento normal das mentes dos humanos, um recurso utilizado desde nosso nascimento para comunicar o que necessitamos ou sentimos.

Aqui, como exemplo, poderíamos pensar no bebê se comunicando com a mãe. O bebê que sente alguma dor, por exemplo, através da identificação projetiva comunica a mãe que, se conectada com seu bebe, intui e descobre o significado do choro do recém-nascido naquele momento. Esse mecanismo, portanto, aconteceria também de forma recíproca e cruzada entre paciente e analista.

Sendo assim, a função do analista não seria apenas, como era no modelo de Freud, tornar o que é inconsciente em consciente. No modelo de Bion, seria o analista construindo junto com o paciente uma cadeia de significados novos para emoções que ainda não haviam sido experimentadas.  Ali no encontro entre os dois, tais emoções surgiriam para serem vividas.

Bion compara a posição do analista à posição do oficial no campo de batalha, que vivencia os mesmos sentimentos de medo, angústia e terror de seus soldados, mas que tem a responsabilidade do comando. Ele não pode deixar de experimentá-los, isto significaria estar ausente. Em outras palavras, a permeabilidade das defesas do analista em acolher as projeções do paciente (assim como as suas próprias) e transformá-las em palavras e conhecimento constituem parte determinante do processo da análise. Ou seja, o que conta não é o quanto analista ou paciente podem fazer, mas sim o quanto a dupla pode fazer em conjunto.  

         Neste sentido, podemos perceber que Bion enfatizava menos os conteúdos do pensamento e mais a importância do aparelho mental necessário para poder pensar. Isto é, a ênfase não está mais no trabalho sobre a repressão (como postulou Freud) ou sobre a cisão (como Klein) e sim em direção à fonte: um lugar para pensar os pensamentos, sobre o continente mais do que sobre o conteúdo.

Depois de Bion, torna-se necessário considerar a contínua interação entre analista e paciente ao determinar todo e qualquer desenvolvimento e resultado de um processo analítico.Nota: esta é a versão em português do texto que pode ser assistido em inglês no canal Berlin psychoanalytic. Link abaixo:

Referências

  1. Bion: da teoria à prática – uma leitura didática

David E. Zimerman

Artmed Editora, 2° edição (2004)

2. Wilfred Bion: His Life and Works, 1897-1979

Gérard Bleandonu

Free Association Books; 2nd edition (1994)

3. A Beam of Intense Darkness: Wilfred Bion’s Legacy to Psychoanalysis

James Grotstein

Routledge (2007)

4. The W. R. Bion Tradition

Lines of Development – Evolution of theory and practice over the decades

Edited by Howard Levine and Giuseppe Civitarese

Routledge (2018)

5. The Long Week-End,1897-1919: Part of a Life.

W. R. Bion

Fleetwood Press (1982)

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