Bion foi analisado por Melanie Klein entre 1945 e 1953 e fazia parte do grupo de analistas kleinianos, de acordo com a distribuição ideológica em que se dividia a Sociedade Britânica de Psicanálise na época. Como outros membros deste grupo, Bion também embarcou em um esforço para estudar os processos mentais em pacientes psicóticos.
Porém, ao invés de priorizar a ação de forças instintivas e defesas primitivas em suas manifestações psíquicas, é possível identificar na obra de Bion um enfoque progressivo nos processos de pensamento e suas distorções. Seu foco estava em compreender o processo de pensamento, mudando assim a abordagem à vida mental ao mover seu foco de “o que pensamos” para “como pensamos”.
O que Bion diz sobre a origem dos pensamentos?
Bion formulou uma teoria das origens do pensamento. Ele postulou uma primeira forma, que seria a base para o desenvolvimento de formas posteriores de pensamento. Esta primeira forma é o resultado de eventos emocionais precoces entre um cuidador e seu bebê que são decisivos para o estabelecimento – ou não – da capacidade de pensar do bebê.
Como é o pensar dos bebês?
No modelo de Bion, o bebê tem estados mentais crus e impensáveis que são inseparáveis dos estados corporais. Bion chamou esses elementos de “elementos beta”. O bebê comunica esses estados mentais puros ao cuidador, por exemplo, chorando. Em seguida, em resposta ao bebê, o cuidador toma o estado mental do bebê dentro do seu próprio espaço mental e tenta imaginar o que pode estar acontecendo. Nesse sentido, o cuidador “contém” a experiência do bebê e organiza, em sua própria mente, do que se trata a experiência, para lhe dar algum “sentido”.
O cuidador, então, responde ao bebê de uma maneira adequada a esse “significado”, tornando-o algo que pode ser “pensado” no futuro. Como exemplo, podemos pensar em um bebê acordando de um cochilo e começando a chorar. O cuidador vem ao seu encontro, verifica se o bebê está com a fralda molhada e decide que o bebê provavelmente está com fome. Então, o cuidador tenta acalmar o bebê enquanto se prepara para começar a alimentá-lo. O bebê gradualmente se acalma, começa a mamar e, depois de um tempo, se afasta e olha para o cuidador. Se o bebê pudesse falar, provavelmente diria algo como: “Quando acordei, pensei que algo terrível estava acontecendo comigo. Mas você não pareceu achar que era grave… Eu só estava com fome. Então é assim que se sente a fome… ”
Bion deu a essa experiência transformada o nome de “elemento alfa”. Ele se referiu ao contato tolerante do cuidador com o estado mental do bebê como reverie. Todo este processo do cuidador transformando um “elemento beta” (bruto, impensável) através do seu próprio pensamento, em um “elemento alfa” (pensável), recebeu o nome de “processo alfa”.
Ou seja, o bebê necessita de um cuidador receptivo e que aguente o estresse de seus medos, desconfortos e situações desconhecidas. Por meio da capacidade do que Bion chama de reverie, o cuidador “pré-mastiga” as experiências emocionais não metabolizadas do bebê, transformando-as em eventos psíquicos gerenciáveis / toleráveis.
O que é o “processo alfa”?
Bion considera o “processo alfa” como um ‘‘modelo digestivo” da função alfa em que ‘‘o sistema alimentar é usado como um modelo para os processos de pensamento”. Assim, por meio de sua reverie, o cuidador converte a experiência emocional “crua” em pedaços mentalmente “digeríveis” (chamados de elementos alfa) que a psique do bebê, ainda não totalmente desenvolvida, pode absorver sem se sentir sobrecarregada por algo ainda muito grande ou denso para engolir .
Esse processo provavelmente ocorre centenas de vezes por dia. Com o tempo, o bebê introjeta a função alfa / digestiva do cuidador e a capacidade associada de reverie, o que ajuda o bebê a construir lentamente um “aparelho mental” com a capacidade de “pensar” sobre as experiências e dar-lhes “significado”.
Primeiramente Bion considerou este processo a partir de um modelo digestivo, no qual o bebê depende do cuidador para efetivamente “pré-mastigar” a experiência (para realizar a função alfa para ele), mas posteriormente Bion adicionou uma estrutura intersubjetiva a este processo quando introduziu a noção de continente-conteúdo.
Como Bion explicou a díade “continente-conteúdo”?
Essa díade, o continente-conteúdo, pode ser vista como o primeiro par, cuidador e bebê (ou paciente e analista), que crescem juntos pela capacidade de tolerar a dúvida até que algum significado seja atribuído às emoções não processadas e essa atividade conjunta seja introjetada como o ”aparelho de pensar”.
Para promover o desenvolvimento do aparato para pensar a experiência emocional vivida e fazer o trabalho psicológico, o continente (cuidador, analista) deve ser capaz de reverie. A reverie permite que o continente seja capaz de receber, aceitar, metabolizar e devolver ao bebê ou paciente “a experiência emocional que ele não consegue processar sozinho”.
A jornada de Bion em sua descoberta da função alfa percorreu um longo caminho desde seu início como uma investigação sobre como a psique pode aprender a pensar e lidar com experiências emocionais insuportáveis para entender que outra mente é necessária e, em última análise, como a atividade colaborativa dessas mentes é internalizada como o aparelho de pensar.