Aplicação prática de achados em pesquisa no atendimento de pacientes em psicoterapia – Aliança terapêutica

atendimento de pacientes em psicoterapia
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Há disponível na literatura uma quantidade considerável de evidências sobre a efetividade no atendimento de pacientes em psicoterapia. Embora pareça não haver mais dúvida em relação aos benefícios que o tratamento psicoterápico pode proporcionar, a literatura também mostra que 30% a 40% dos pacientes não conseguem se beneficiar, e as taxas de abandono são consideráveis.

Estima-se que um em cada cinco casos¹ abandonam o tratamento nos dois primeiros meses². O que nos prova que há um espaço para melhorias enquanto profissionais.

Neste sentido, podemos (e devemos) nos perguntar:

  • O que pode estar contribuindo para essa realidade?  
  • Como podemos melhorar essas estimativas?
  • Como podemos melhorar como terapeutas?
  • E como os pesquisadores podem ajudar melhor os terapeutas?

Fatores comuns versus Fatores específicos da psicoterapia

Um dos pontos de grande interesse na atualidade consiste no debate em relação à primazia dos chamados fatores comuns às psicoterapias sobre os chamados fatores específicos e vice-versa.

Neste sentido, dois metamodelos concorrentes são referidos no contexto de compreensão e explicação da natureza da psicoterapia. De um lado, o chamado Modelo Médico pressupõe a existência de um transtorno ou problema que pode ser relacionado a um determinado mecanismo de mudança. Assim, intervenções terapêuticas específicas devem ser usadas. Em outras palavras, este modelo está associado à pressuposição de que são os fatores específicos da técnica prescrita por cada abordagem psicoterápica os responsáveis pela ação terapêutica.

De outro lado, o Modelo Contextual prega que são os elementos comuns às abordagens os ingredientes ativos no processo terapêutico. Ele propõe que existem três vias que contribuem para a mudança em psicoterapia:

  1. O relacionamento com o terapeuta (alguém que ajuda);
  2. As expectativas de melhora do paciente;
  3. Esquema conceitual ou teórico específico que é fornecido (que seria o responsável por engajar o paciente), desde que ele seja consistente.

De acordo com o Contextual Model, se uma psicoterapia apresentar componentes representativos das três vias, ela será efetiva.

Os fatores comuns no atendimento de pacientes em psicoterapia

Neste texto, escolhi enfocar os denominados fatores comuns e discutir então quais os achados mais atuais e no que eles implicam na nossa prática, tanto privada quanto nos ambulatórios onde de alguma forma estamos envolvidos (seja no atendimento, supervisão ou coordenação).

Vou destacar apenas 2 dos pilares que orientam a pesquisa (e que vêm ganhando destaque nos últimos tempos): os efeitos da relação terapêutica e os efeitos do terapeuta, deixando assim os fatores do paciente de fora.

atendimento de pacientes em psicoterapia

Aliança terapêutica

Existem fortes evidências empíricas dando suporte às contribuições dos fatores comuns aos resultados do tratamento. Entre eles, o mais investigado é sem dúvida a aliança terapêutica, que tem sido objeto de múltiplas meta-análises indicando sua relação preditiva com o resultado da psicoterapia em diversas abordagens diferentes.

Destaco aqui uma meta-análise3 que, com base em mais de 300 estudos, cobrindo mais de 30.000 pacientes, demonstrou que a relação positiva da aliança com o resultado do tratamento permanece entre as perspectivas do avaliador, medidas de aliança e resultado, abordagens de tratamento, características do paciente, terapias presenciais e também mediadas pela Internet. Enfim, a aliança é uma unanimidade. O volume acumulado de pesquisas sobre ela é impressionante.

A proliferação do estudo da aliança acabou levando a uma “segunda geração” de pesquisas a seu respeito, que desta vez visa estudar os chamados “reparos de rupturas na aliança” e produzir então conhecimento de fato orientado à prática: por exemplo, “o que fazer quando há dificuldades em relação à aliança com um paciente”.

Recentemente um estudo4 demonstrou que existem momentos de ruptura (e consequentemente, reparo) e que esses fenômenos são bastante prevalentes (por exemplo, de 30% -50% nas sessões avaliadas por autorrelato e 30% -100% nas sessões avaliadas por um observador externo) e preditivos de resultado.

As rupturas são consideradas momentos em que o processo de colaboração entre paciente e terapeuta é interrompido e onde então o terapeuta precisa fazer algo para resolver tal impasse e continuar com o tratamento.

Normalmente as rupturas na aliança são de 2 tipos diferentes:

(1) há rupturas onde o paciente está evitando a interação com o terapeuta, retirando-se da colaboração. Por exemplo, quando estamos falando de um tópico específico e o paciente subitamente muda para outro assunto ou começa a contar uma história sobre alguém que não tem nada a ver com o que se estava discutindo, faz silêncio, ou ainda, quando fazemos uma pergunta bem específica e o paciente responde outra coisa. Ou seja, um movimento de afastamento;

(2) o segundo tipo de rupturas é aquele em que o paciente confronta direta e explicitamente o terapeuta, por exemplo, criticando o terapeuta ou a terapia, discordando de algo que foi dito, demonstrando preocupação / desconfiança com o resultado do tratamento, etc.

As rupturas na aliança são consideradas marcadores clínicos. Embora originalmente tenhamos definido esses marcadores exclusivamente pelos comportamentos do paciente, recentemente essa definição foi expandida para incluir os comportamentos do terapeuta, uma vez que tanto os pacientes quanto os terapeutas contribuem para rupturas por meio de movimentos de afastamento e / ou confronto. Ou seja, as rupturas são co-construídas.

As pesquisas5 têm demonstrado que rupturas na aliança estão significativamente relacionadas aos resultados do tratamento, mostrando ainda um tamanho de efeito ainda maior daquele relacionado à aliança como um todo. Por outro lado, além de preditores robustos de abandono de tratamento, elas são consideradas também uma grande oportunidade clínica de produzir mudança (se bem endereçadas): e isso se dá através dos reparos.

Os chamados “reparos na aliança” também podem ser divididos em 2 tipos:

  • o primeiro seria o que buscaria colocar o paciente de volta no caminho, ou seja, trazê-lo de volta para o que estava sendo discutido (retomar o tópico) ou se houve algum mal-entendido, explicar melhor o significado do que foi dito.
  • o segundo tipo pode ser uma oportunidade mais clara de trabalho, pois o terapeuta busca comunicar ao paciente o que está sentindo naquela situação e assim permite que ele empatize com o que uma outra pessoa pode sentir no momento de determinada interação interpessoal. Pode-se apresentar tal comportamento como um padrão – trabalhando no aqui e agora.

Há uma tipologia de estratégias de reparo. Os autores apontam três caminhos possíveis, todos começando com o reconhecimento de uma ruptura e cada um levando ao fornecimento de uma nova experiência relacional ou corretiva.

O primeiro caminho estaria mais voltado à clarificações, entendimento e validação de sentimentos. Ele estaria mais relacionado à construção da aliança e não tanto à reparação de rupturas propriamente ditas.

O segundo caminho envolve uma renegociação de tarefas ou objetivos, acolhendo qualquer mudança na direção do trabalho Essas duas primeiras vias seriam estratégias mais voltadas ao primeiro tipo de ruptura, objetivando trazer o tratamento “de volta aos trilhos”.

O terceiro e último caminho, o que categorizamos como “expressivo”, envolve a exploração da ruptura, incluindo as respectivas contribuições do paciente e do terapeuta, seus estados mentais (pensamentos e sentimentos), bem como ações comportamentais, em direção a uma maior compreensão de suas necessidades subjacentes. Tem grande potencial para regular as emoções dos pacientes e dos terapeutas e para promover a consciência das próprias experiências subjetivas e dos outros.

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Para se aprofundar nas referências sobre atendimento de pacientes em psicoterapia:

1 – Swift, J. K., & Greenberg, R. P. (2012). Premature discontinuation in adult psychotherapy: A meta-analysis. Journal of Consulting and Clinical Psychology, 80(4), 547–559. https://doi.org/10.1037/a0028226

2 – Martino F, Menchetti M, Pozzi E, Berardi D. Predictors of dropout among personality disorders in a specialist outpatients psychosocial treatment: a preliminary study. Psychiatry Clin Neurosci. 2012 Apr;66(3):180-6. doi: 10.1111/j.1440-1819.2012.02329.x. PMID: 22443241.

3 – Flückiger C, Del Re AC, Wampold BE, Horvath AO. The alliance in adult psychotherapy: A meta-analytic synthesis. Psychotherapy (Chic). 2018 Dec;55(4):316-340. doi: 10.1037/pst0000172. Epub 2018 May 24. PMID: 29792475.

4 – Eubanks CF, Muran JC, Safran JD. Alliance rupture repair: A meta-analysis. Psychotherapy (Chic). 2018 Dec;55(4):508-519. doi: 10.1037/pst0000185. PMID: 30335462.

5 – Gardner, J., Lipner, L., Eubanks, C., & Muran, J. (2019-09). A Therapist’s Guide to Repairing Ruptures in the Working Alliance. In Working Alliance Skills for Mental Health Professionals. New York, NY: Oxford University Press. Retrieved 17 May. 2022, from https://www.oxfordclinicalpsych.com/view/10.1093/med-psych/9780190868529.001.0001/med-9780190868529-chapter-8.

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