Podemos dizer que o interesse de Bion por grupos e sua dinâmica permeou sua vida inteira, já que ele nunca perdeu de vista a germinalidade do grupo interno, uma espécie de conjunto de personagens introjetados que todos carregamos dentro de nós, em torno do qual a mente se organiza.
Tais personagens determinariam uma grande parcela do comportamento social de cada sujeito, na escolha de pessoas para conviver e no desempenho de determinados papéis. As teorizações de Bion sobre o funcionamento mental, embora adotando a postura de que a mente é única, sempre apresentam uma visão de um grupo de funções em ação.
Bion expandiu a teoria de Freud sobre o funcionamento grupal ao se concentrar nas ansiedades psicóticas e nas inevitáveis pressões em direção à regressão que a participação na vida em grupo produz em seus membros individuais.
Primeiros trabalhos com grupos
Seus experimentos com grupos iniciaram em 1942, no hospital Northfield, trabalhando com soldados em estado de choque durante a Segunda Guerra Mundial. Naquele momento, os distúrbios emocionais se constituíam visivelmente como a causa mais importante da inativação dos militares. Por isso, as forças armadas propunham programas de reabilitação. Além disso, o exército precisava aumentar o seu quadro de oficiais, e era tão grande o número de candidatos que se impunha um método mais adequado de seleção.
Neste cenário, ocorreu a Bion a ideia de utilizar o recurso grupal. No tocante ao projeto de readaptação dos militares, Bion executou no hospital um plano de reuniões coletivas, nas quais se discutiam os problemas comuns e se estabeleciam programas de exercícios e atividades.
Em relação ao processo de seleção de oficiais, Bion deixou de lado o método habitual que priorizava as qualidades militares dos candidatos. Em seu lugar, ele adotou a técnica do “grupo sem líder”, que consistia na proposição de uma tarefa coletiva aos candidatos, como por exemplo, a construção de uma ponte. Enquanto isso, os avaliadores observavam não a capacidade técnica para executar a tarefa, mas sim a capacidade de estabelecerem inter-relacionamentos, de enfrentarem as tensões geradas pelo medo de fracassarem na tarefa, bem como o desejo de êxito pessoal.
No início de 1948, Bion organizou seus grupos unicamente terapêuticos, a partir dos quais fez importantes observações e contribuições que permanecem úteis até hoje.
Bion observava que, ao se envolver em um grupo, o indivíduo regride a níveis primitivos de funcionamento, característicos das fases iniciais da vida mental. Ele se refere ao surgimento inevitável de anseios por conexão emocional bem como de fantasias inconscientes sobre o significado da vida em grupo. A forma de lidar com tais anseios determina o comportamento dos indivíduos dentro do grupo, bem como sua estrutura e o funcionamento do grupo como um todo.
Nesse sentido, Bion sugere a existência de duas organizações em um grupo, que coexistem simultaneamente e interagem dinamicamente entre si: o grupo de trabalho e o grupo de pressupostos básicos. Este último é considerado, na área grupal, a concepção mais original de Bion, amplamente conhecida e difundida.
Grupo de trabalho
O termo grupo de trabalho consiste em uma mentalidade ajustada à realidade e à tarefa proposta. Descreve como o grupo pode ser organizado em funções, estruturas e atividades para cumprir sua tarefa principal (que foi acordada por todos os membros).
Grupo de pressupostos básicos
Por outro lado, o grupo de pressupostos básicos se refere à natureza da organização inconsciente de um grupo em resposta aos anseios e fantasias inconscientes de seus participantes. Isso pode incluir, por exemplo, ansiedades depressivas, persecutórias, medos mais primitivos de aniquilação ou perda da identidade individual. Bion sugeriu três exemplos característicos de estrutura de grupo de pressupostos básicos: dependência, luta-fuga e pareamento.
O pressuposto básico de “dependência” mostra o funcionamento mais primitivo do grupo sentindo a necessidade de proteção, de segurança e, portanto, procurando por elas. Com isso, o grupo elege um líder com características carismáticas e se deixa guiar por suas ideias.
O pressuposto básico de “luta e fuga” mostra o funcionamento grupal dominado por ansiedades paranóides, e, por isso, a totalidade do grupo se apresenta altamente defensiva e “luta” contra qualquer situação nova, ou “foge” dela, criando um inimigo externo a quem atribuem todos os males e contra quem ficam unidos. O líder requerido por esse tipo de pressuposto básico grupal tem características paranóides e tirânicas.
O pressuposto básico de “acasalamento”, por sua vez, consiste no fato de que o grupo espera que um casal / um par do grupo “gerará um filho Messias”, que será o redentor de todos. Assim, as esperanças messiânicas do grupo podem estar depositadas em uma pessoa, uma ideia, um acontecimento, etc., que virá salvá-los e fazer desaparecer todas as dificuldades. O líder desse tipo de grupo tem características de natureza mística, que de alguma forma acenem para a realização dos sonhos de cada um e de todos.
É importante ressaltar que essas modalidades de pressupostos básicos não se contrapõem entre si, ao contrário, coexistem e se alternam em um mesmo grupo. Os pressupostos básicos se opõem à mudança e ao crescimento e estão sempre subjacentes em qualquer “grupo de trabalho”. Quando não reconhecidos e explorados, bloqueiam as capacidades do grupo de pensar e encontrar soluções para as dificuldades.
O legado de Bion no trabalho com grupos
Bion é categórico ao afirmar que a ansiedade psicótica e as defesas primitivas são a “fonte última” de todo o comportamento em grupos e dos grupos. A recomendação de que o fenômeno a ser observado é o grupo como um todo (também referido como a mente do grupo), retirando assim o foco dos membros individualmente bem como de suas dinâmicas intrapsíquicas ou questões clínicas, é certamente um dos principais legados de Bion no entendimento dos grupos.
Embora o conceito relativo aos pressupostos básicos de “dependência”, de “luta e fuga” e de “pareamento” constitui uma contribuição original e muito citada até hoje, ela evidentemente não é suficiente para compreender o amplo espectro de pressupostos inconscientes que surgem ao trabalharmos com e em grupo. Muito se avançou desde então. Podemos brevemente citar autores como Pichon-Riviere, Bleger, etc.
Todos os escritos de Bion sobre grupos foram reunidos em uma única publicação, em 1961, sob o título original “Experiences in groups and other papers”. Esse período de interesse por grupos pode ser entendido como o berçário de ideias que vão ganhar um fértil desenvolvimento nos períodos seguintes de sua obra.
Nota: esta é a versão em português do texto que pode ser assistido em inglês no canal Berlin psychoanalytic. Link abaixo:
Referências
Bion: da teoria à prática – uma leitura didática
David E. Zimerman
Artmed Editora, 2° edição (2004)
Fundamentos básicos das grupoterapias
David E. Zimerman
Artmed Editora, 2° edição (1999)
Wilfred Bion: His Life and Works, 1897-1979
Gérard Bleandonu
Free Association Books; 2nd edition (1994)
A Beam of Intense Darkness: Wilfred Bion’s Legacy to Psychoanalysis
James Grotstein
Routledge (2007)
The W. R. Bion Tradition
Lines of Development – Evolution of theory and practice over the decades
Edited by Howard Levine and Giuseppe Civitarese
Routledge (2018)